domingo, 26 de setembro de 2010

Regiões vinícolas da França - Bordeaux

Abrindo a série "Regiões vinícolas da França": Bordeaux.
fonte de imagem: nossovinho.com
As primeiras referências ao vinho produzido em Bordeaux remontam ao século IV, quando o poeta galo-romano Ausone, que empresta seu nome a um dos grandes vinhos de Saint-Émilion, escreveu poemas enaltecendo os vinhos da região - dentre os quais, o que ele mesmo produzia. Com o fortalecimento do comércio nos séculos XII e XIII, a região vê o plantio de uvas e a produção de vinhos crescerem, mas boa parte da reputação do vinho bordalês se estabeleceu durante o domínio inglês, a partir de 1152. Logo os vinhos da região conquistaram o mercado britânico e mesmo com a reconquista da região pela França, em 1453, o comércio de vinho com a Inglaterra continuou. A mudança no gosto dos consumidores ingleses, que queriam vinhos mais concentrados, e a ocupação dessas terras drenadas por vinhedos definiram a identidade atual do vinho tinto bordalês. 
Bordeaux é a região francesa que concentra a maior quantidade de grandes propriedades vinícolas, os Châteaux. O château refere-se não apenas ao "castelo", sede da propriedade, mas a todo seu complexo: vinhedos, cantina, adega etc. Muitas vinícolas adotaram o nome "château" mesmo não possuindo um castelo, devido à associação feita entre os vinhos de Bordeaux e os castelos. 
Em geral, os vinhos de Bordeaux, principalmente os de Médoc, são tânicos e viris, cheios de vigor e demoram muito mais tempo para perder o seu charme se comparados com os da Borgonha. Os Crus bordaleses são, sem dúvida, mais longevos. Os vinhos são feitos com uma mescla de uvas, chamado blend, o que possibilita uma maior margem de manobra para que o enólogo "acerte" o seu vinho, que guarda bem a marca de sua uva predominante, a adstringente Cabernet Sauvignon, ainda que mitigada pela redondez da Merlot e da Cabernet Franc, e as notas da Malbec e da Petit Verdot. 
Uvas 
A Cabernet Sauvignon, provavelmente a mais globalizada das uvas, dá vinhos tânicos e complexos e é a tinta predominante na margem esquerda, mais quente e, portanto, mais propícia a seu amadurecimento. No total, a Cabernet Sauvignon ocupa 25 mil hectares em toda a região. A Merlot, um pouco mais macia, mas também com boa estrutura, é a mais plantada de Bordeaux, cobrindo aproximadamente 40 mil hectares, e os vinhos mais reputados em que é a cepa principal do corte são os produzidos na margem direita, de clima mais continental e ameno. A Cabernet Franc é a mais importante coadjuvante nos tintos bordaleses (embora em alguns de Saint-Émilion, notadamente o Château Cheval Blanc, seja a uva principal), com cerca de 13,5 mil hectares plantados. Podem também aparecer no corte bordalês, em menor grau, as variedades Petit Verdot, Malbec e, muito raramente, a Carménère. 
A mesma coisa acontece com as brancas. Raramente um Bordeaux branco, doce ou seco, será feito com apenas uma cepa. Despontam como principais componentes do bom branco bordalês a Sémillon e a Sauvignon Blanc. A primeira, opulenta, doce, untuosa e muito suscetível à pourriture noble - a desidratação da uva pelo fungo Botrytis, aumentando imensamente a concentração de açúcar da uva -, é sempre a protagonista nos vinhos doces, notadamente os Sauternes e Barsac. Já a Sauvignon Blanc, mais ácida, delgada e herbácea, suaviza a doçura nos vinhos botrytizados e é o principal componente dos brancos secos de Graves, mais reputados, e de Entre-Deux-Mers. A Muscadelle entra no corte principalmente por seu aroma, bastante floral, e sua jovialidade, mas é cada vez menos plantada devido à sua fragilidade a doenças. Está mais presente na região de Entre-Deux-Mers. 
Classificação 
Quando foi estabelecida, a legislação para controle dos vinhos na França (Appellation d'Origine Contrôlée) previa uma série de níveis para a categorização. Quanto mais rigidamente um produtor seguisse as regras de manuseio da videira, da uva e do vinho para aquela região, mais específica seria a denominação que ele poderia usar no rótulo, conferindo, portanto, mais prestígio ao vinho. 
Em Bordeaux, Um vinho que recebe a Appellation Bordeaux Contrôlée (ou Bordeaux AC) pode ser produzido em qualquer parte da região, desde que use as uvas permitidas e tenha rendimento de, no máximo, 55 hl por hectare. Os espumantes também se enquadram na categoria genérica, com o nome Crémant de Bordeaux. 
A região de Bordeaux apresenta diversos tipos de solo. Assim, ao se restringir a área da qual podem ser colhidas uvas, a probabilidade de se obter um vinho com mais características do terroir aumenta. Por isso, as denominações regionais (appellation regional) seguem a lista de sub-regiões, agrupando áreas com características de solo, microclima, uvas e tipos de vinho produzidos mais similares. Algumas das denominações regionais encerram classificações ainda mais específicas, de acordo com a comuna ou distrito de origem das uvas usadas (appellation comunal). Alguns dos grandes châteaux de Bordeaux possuem uma reputação tão alta que acabaram nomeando toda uma comuna: o Château Margaux, por exemplo, é classificado como Appellation Margaux Contrôlée. 
A metade do século XIX, pela falta de parâmetros de controle, muitos se aproveitavam do prestígio de Bordeaux para vender vinhos feitos sem grandes cuidados, o que preocupou proprietários de châteaux tradicionais. Com isso, especialistas foram reunidos para, em 1855, divulgar uma classificação dos vinhos bordaleses. A seleção dos vinhos Crus Classés (variando de Premiers a Cinquièmes Crus Classés, isto é, de primeiros a quintos) foi feita apenas entre os produzidos nas regiões de Médoc e de Sauternes, com exceção do Premier Haut-Brion, de Graves. De 1855 até hoje, apenas um vinho, o Château Mouton-Rothschild, foi elevado de Deuxième para Premier Cru, em 1973, por decreto presidencial de Charles de Gaulle. 
Em oposição às regras rígidas da classificação de 1855, o sindicato de produtores do Médoc criou a classificação dos Crus Bourgeois (Crus burgueses, já que os Classés seriam "aristocráticos") em 1932 para tentar reverter os maus resultados das vendas. Sua atual estrutura foi consolidada entre 1966 e 1978. Os vinhos dentro dessa hierarquia podem ser classificados como Crus Bourgeois Exceptionnels, Grands Crus Bourgeois ou Crus Bourgeois, em ordem decrescente de importância. 
Saint-Émilion, na margem direita, criou sua própria classificação em 1955, por iniciativa do sindicato local. Mais simples, ela divide os vinhos em Premiers Grand Crus e Grand Crus. Na outra margem, vizinha ao Médoc, a região de Graves selecionou, em 1959, seus 17 châteaux merecedores de classificação Classés.
Áreas vinícolas de Bordeaux 
Médoc 
No dialeto local, Médoc significa "terra do meio" , por estar situada entre o oceano Atlântico e o estuário girondino, e é uma faixa de terra que se estende do norte da cidade de Bordeaux até quase a foz do rio, espremida pela floresta de Landes ao sul e pelas áreas pantanosas da costa. A região costuma ser dividida em Bas-Médoc (no rótulo, apenas Médoc) e Haut-Médoc, a área mais nobre, com diversas AOC comunais. No Bas-Médoc a camada de cascalho não é é espessa e o solo argiloso, mais pesado, não consegue drenar com eficiência a água, numa área que, pela proximidade do mar, já é mais úmida que o restante de Bordeaux. Muito plana e cortada por muitos canais resultantes da drenagem dos pântanos, a região concentra sua produção nas áreas com mais cascalho e de altitude menos baixa. Devido ao clima e ao solo, a Merlot aparece aqui com mais frequência que a Cabernet, por se adaptar melhor ao solo argiloso e amadurecer mais rapidamente. Não há nenhum Cru Classé, mas muitos Crus Bourgeois da região possuem boa relação custo-benefício. O Haut-Médoc é a região das grandes estrelas de Bordeaux. Além dos 60 Crus Classés e quatro dos cinco Premiers Crus Classés, nela há mais de 150 Crus Bourgeois de vários níveis, alguns dos quais comparáveis a Crus Classés de alta patente. Quanto mais a sudeste e, portanto, mais interior a região, menos úmido é o clima e é maior a concentração de "graves" (cascalhos) na composição do solo. A camada de cascalho, além de drenar bem o solo, conserva o calor do sol por mais tempo, aquecendo as raízes e incentivando-as a ir mais fundo em busca de água. 
Saint-Estèphe 
A primeira comuna de fora para dentro na região do Haut-Médoc ainda guarda alguma semelhança com o vizinho e menos reputado Bas-Médoc. O solo possui argila misturada aos cascalhos e o resultado disso são vinhos mais ácidos e robustos do que elegantes, que, nas safras mais secas, costumam resistir melhor do que os das demais áreas do Médoc. Os melhores vinhos se concentram na região ao sul, fronteiriça à Pauillac do Château Lafite. 
Pauillac
Uma das mais nobres áreas vinícolas da França, Pauillac concentra três dos cinco grandes de Médoc e Graves: Château Lafite e Mouton-Rothschild, mais ao norte, e Latour, na fronteira com Saint-Julien. Para muitos, a zona concentra os Médocs arquetípicos. Complexos, vigorosos e concentrados, expressão máxima da Cabernet Sauvignon, os vinhos de Pauillac atingem preços estratosféricos. 
Saint-Julien
Embora não possua nenhum Premier Cru, a minúscula comuna de Saint- -Julien concentra uma grande quantidade de vinhos Classés. Situa-se imediatamente ao sul de Pauillac, bem no coração do Haut-Médoc, e produz também vinhos de alta qualidade, mesclando as características de Pauillac (vigor) com as de Margaux (fineza e elegância). 
Listrac
Produz vinhos robustos, encorpados, de bom prestígio, vários deles na categoria Cru Bourgeois. 
Moulis
Pequena comuna de 12 km de comprimento por 350 m de largura com bons Crus Bourgeois. 
Margaux
Rivaliza com Pauillac como sendo a região de maior prestígio do Médoc. Em seus 1.300 ha de vinhedos, onde a uva Cabernet Sauvignon predomina, produz-se vinhos de grande elegância. O mais famoso é o Château Margaux. Elegância e delicadeza são as marcas registradas dos bons vinhos daqui. 
Graves e Pessac-Léognan
Já fora do Médoc e bem próximo da cidade de Bordeaux, encontramos essas duas regiões. Em Graves, vamos ter o único Premier Cru Classé que faz parte da classificação de 1855 que se situa fora do Médoc, o Haut-Brion. 
Sauternes
Nessa região se produz o mais conhecido vinho doce de sobremesa do mundo, o Sauternes, com uvas atacadas pelo fungo "Botrytis cinérea. O mais famoso é o Château d'Yquem. 
Saint-Émilion
Vinhedo em Saint-Emillion
foto: Paulo Motta, fonte: oglobo.globo.com
Situada à margem direita do rio Dordogne, a encantadora comuna medieval de Saint-Émilion não constou da classificação de 1855, embora produza vinhos excepcionais. Assim, já em meados do século XX, criaram a sua própria classificação, que é revista a cada 10 anos. São dois os Premier Grand Cru Classé A e 13 os Premier Grand Cru Classé B, além de 46 Grand Cru Classé e vários Cru Classés. 
Pomerol 
Próxima a Saint-Émilion, a comuna de Pomerol possui também sua própria classificação, podendo ser Premier Cru ou Grand Cru Classé. Seu vinho mais famoso é o Pétrus. 
Entre-Deux-Mers
O nome, cuja tradução é "Entre-Dois-Mares", evoca a situação geográfica da zona, situada entre os rios Dordogne e o Garonne. A maré atlântica faz com que as águas desses rios subam e o nome da região assim se explica. É a maior zona produtora de Bordeaux e também a maior da França, dentre as regiões AOC. Ali predominam os vinhos brancos secos à base de Sauvignon Blanc e Sémillon, os únicos autorizados a ostentar em seus rótulos a denominação AOC Entre-Deux-Mers. Vinhos bons, frescos e muito agradáveis, para serem bebidos jovens. 
Blay Et Bourg 
Aqui os melhores vinhos são os tintos. Situa-se bem à frente do estuário do Gironda, na margem esquerda. Devido a seu acesso mais fácil, é uma região produtora mais antiga do que o próprio Médoc. As uvas Merlot e Cabernet Franc predominam na mescla de seus tintos, que lembram, no estilo, aqueles de Fronsac e Saint-Émilion. 
Vinhos ícones
fonte da imagem:
revistaadega.uol.com.br
Pétrus - a glória desse pequeno produtor do Pomerol é recente e hoje é o vinho mais caro de Bordeaux e talvez do mundo. Como não existe um sistema de classificação no Pomerol, o Pétrus é reconhecido de forma não oficial como um Premier Cru. A composição atual é de 95% de uva Merlot e 5% de Cabernet Franc. Sua fase de reconhecimento internacional se iniciou após a II Guerra Mundial. Nessa época, o vinho caiu nas graças da corte inglesa, sendo servido no casamento de Elizabeth II, e no gosto do governo norte-americano de John Kennedy. É um vinho excepcional, uma combinação extraordinária de potência, riqueza, complexidade e elegância. Em nenhum outro lugar a uva Merlot se expressa tão plenamente quanto aqui. Seu padrão de qualidade vem se mantendo de forma constante nos últimos 30 anos, o que fez com que seu preço tivesse uma alta meteórica. 
Outros grandes nomes: Château Latour (Pauillac), Château Lafite-Rothschild (Pauillac), Château Margaux (Margaux), Château Mouton-Rothschild (Pauillac), Haut-Brion (Graves), Château Pichon-Longueville Comtesse de Lalande (Pauillac), Château Cheval Blanc (Saint- -Émilion), Château Ausone (Saint-Émilion), Clos d'Estournel (Saint-Estèphe), Château d'Yquem (Sauternes), Château Gazin (Pomerol), Le Pin (Pomerol), Château Léoville-Las Cases (Saint-Julien) etc. 

Texto compilado da revista Adega, n° 57, também disponível na versão digital

Provei e recomendo
O vinho que eu vou recomendar é um Grand Bordeaux, um Appellation Bordeaux Contrôlée, sem referência a uma região específica. Ganhamos de presente e foi uma grata surpresa. Château Bois Chantant (2006) é um vinho elegante e aromático. Com a predominância da merlot (74%), destacam-se os aromas de frutas negras, como amora, e especiarias. No fundo de taça, o tabaco aparece claramente. Os 18% de cabernet sauvignon e 8% de cabernet franc, conferem corpo e adstringência ao vinho, na medida. Harmonizamos com aquela massa da postagem "fast food" e combinou super bem. 
É um vinho produzido por Bernard Magrez, conhecido produtor e comerciante, que se especializou em adquirir vinhedos de bom potencial e realizar os investimentos necessários para a produção de vinhos de qualidade. Este vinho é importado pela Grand Cru e tem uma excelente relação entre custo e benefício (a melhor, entre os franceses que já tomei). 
E pra deixar registrada outra dica, tem também aquele Appellation Graves Contrôlée que postei aqui, vale a pena provar.

2 comentários:

  1. Jú,
    Sem dúvida o Château Pétrus é um sonho de consumo p/ mim!!!O número de garrafas deste divino vinho é controlada né?!
    Adorei o post, este assunto me interessa muito!
    Beijos,
    A Copê

    ResponderExcluir
  2. Ju, gostei da matéria, visite meu blog, também trato de vinhos e afins. Adicionei um vasto catálogo, preços e tudo mais aqui do Brasil!

    www.bebideria.com.br

    ResponderExcluir